sexta-feira, 9 de outubro de 2009

DEPUTADO JORGE PICCIANI E O TRABALHO ESCRAVO EM SUA FAZENDA

O deputado Jorge Picciani não está mais na lista suja do Ministério do Trabalho. Esteve de 2004 a 2006, mas, pela regra, quando não há reincidência em dois anos, a pessoa sai da lista. Quando entrou foi porque, em uma de suas fazendas, foram flagradas 39 pessoas trabalhando em condições precárias e mantidas lá por pessoas armadas. Hoje, Picciani continua presidindo a Assembléia do Rio e seu filho, Leonardo, é o presidente da mais importante comissão da Câmara Federal.

Os Piccianis são do apoio legislativo do governador Sérgio Cabral, que, supostamente, iniciou no Rio um novo tempo. Difícil é conciliar os dois lados do governador. Um lado faz escolhas corretas e defende posições públicas modernas; o outro apóia e promove os Piccianis. Leonardo trabalhou com o pai na administração das fazendas.

O trabalho escravo é apenas um dos fatos desabonadores. O deputado estadual Jorge Picciani, como mostrou O GLOBO, faz parte do grupo de deputados e ex-deputados notificados pela Receita Federal por sonegação. A punição foi em conseqüência da memorável série de reportagens "Os homens de bens da Alerj".

O Brasil é um país esquisito. O que faz um governador jovem, que pode ser um recomeço para o Rio, patrocinar para a CCJ uma pessoa tão controversa?
O que faz um Congresso que precisa refazer sua imagem, depois de tantos escândalos, escolher para uma comissão com o nome de Constituição e Justiça uma pessoa que não deu demonstração de estar tecnicamente preparada para o cargo e com uma reputação que não a recomenda?

No dia 30 de junho de 2003, numa de suas fazendas, a Agrovás, em São Félix do Araguaia, 39 trabalhadores foram encontrados pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho. Trabalhavam sob a vigilância dos "gatos" armados, não tinham acesso a água potável, nem vínculos empregatícios, e, entre eles, havia um menor de 17 anos.

A explicação do deputado Jorge Picciani na época? Ora, a mesma que todos dão: que não tinha culpa, não sabia de nada - apesar das visitas e sobrevôos à fazenda -, que havia contratado dois empreiteiros e fora vítima deles. Fez um acordo com o Ministério Público em que se comprometeu a cumprir a lei e pagou multa de R$250 mil.

O Brasil é assim: um homem que tem um patrimônio de R$7,7 milhões, para reduzir seus custos, contrata dois "gatos" para trazer trabalhadores não se sabe de onde, para morar não se sabe em que condições, para receber não se sabe quanto. Quando apanhado em flagrante, diz-se vítima. Ele é presidente da Assembléia do segundo maior estado do país; seu filho, auxiliar na administração das fazendas, vai presidir a CCJ.

Quando algum parceiro comercial usar o argumento de que, no Brasil, existe trabalho escravo, o que mesmo o Itamaraty vai dizer? Que é pretexto para protecionismo.

O fato é que existem hoje 300 empresas na lista suja, ainda que baste a não reincidência para sair da lista. Nessa área, há boas e más notícias. Uma ruim veio embrulhada numa boa notícia.

A Super-Receita, que vai simplificar a vida do contribuinte e aumentar a eficiência da máquina, traz uma emenda que pode impedir um trabalho igual ao daqueles fiscais em 2003, na Agrovás.

Ruth Villela, secretária de Inspeção do Ministério do Trabalho, disse que a emenda três não tinha a intenção, mas acabou dificultando muito a ação do Estado no combate ao trabalho escravo:

- A emenda diz que, no caso de haver dúvida sobre a natureza do vínculo empregatício, a fiscalização está impedida de concluir qual é o vínculo. A dúvida tem que ser dirimida na Justiça Trabalhista. Ora, quando há um flagrante de trabalho escravo, o fiscal representa a ação do Estado. Da sua atuação rápida, saem, por exemplo, as verbas rescisórias e a entrada dele no seguro desemprego. Agora o trabalhador terá que individualmente ir à Justiça reclamar seus direitos.

Ela está convencida de que a emenda à lei da Super-Receita não foi escrita com essa intenção, mas, por ser genérica demais, acabou criando essa situação que na prática dificulta a luta contra o trabalho escravo.

Mas, nessa área, há boas notícias, felizmente. A Organização Internacional do Trabalho informa que está iniciando a segunda etapa do Pacto contra o trabalho escravo. A primeira tem tido frutos. Várias empresas descredenciaram fornecedores. A Coteminas hoje exige nota fiscal de origem, para que o fornecedor prove que não compra de quem está na lista suja. O Instituto Carvão Cidadão suspendeu 312 carvoarias e entregou as informações sobre elas ao Ministério Público. O setor sucro-alcooleiro não compra mais da Destilaria Gameleira, de Eduardo Monteiro.

A OIT está contratando a Repórter Brasil e o Observatório Social para fazer novos estudos da cadeia produtiva e monitorar o respeito ao pacto.

- Será feito também o Atlas do trabalho escravo, mostrando de que municípios saem os trabalhadores, as rotas, para onde vão. O perfil do "gato" e do empresário que usa esse trabalho - diz Patricia Audi, da OIT.

Estão sendo treinados 200 trabalhadores libertados para que eles voltem a trabalhar na siderurgia, mas agora da forma certa.

- Chegou a hora da colheita depois de dois anos de pacto. Vamos separar o joio do trigo - afirma Patrícia.

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